sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Mil Manhãs Semelhantes

Fragmento de um projeto que acalento faz tempo e aos poucos vem tomando forma. Um rascunho de abertura. Obrigado, Daniel.



Mil manhãs semelhantes, cinzas e chuvosas. Senti preguiça, mais do que isso, senti um esmaecimento como se o mundo tivesse parado de respirar, suspenso no mar, flutuando.”

Andando pela beira da praia encontrei Carol. Era um sábado de junho, inicio do mês, e batia um vento gelado de sul. Ninguém no mar, uns poucos pescadores - aposentados que sonharam a vida toda em trocar a cidade pelo litoral,– arriscavam molhar os pés na água turva. Alguns vira-latas corriam de um lado para o outro. Havia chegado a Santa Terezinha naquela manhã. Larguei o carro e fui descansar os olhos no mar. Quando criança imaginava que era possível nadar até lá onde não dá mais vista e escalar o céu. Durante os meses do inverno ia pelo menos uma vez no mês dar uma olhada na casa da praia que um dia fora de meus avós e agora me restara de herança. Julgava a casa e a praia como as únicas coisas verdadeiramente imutáveis no mundo. Claro que haviam sofrido alterações, sobretudo a casa, no entanto era como se estivessem embutidas numa espécie de fenda onde não podiam ser violadas por força externa. Sem dúvida a marca do tempo se fazia presente, porém de forma inescrutável. Meus avós estavam mortos, meus pais separados, meu irmão fora do país e meus tios cada qual vivendo seus problemas, portanto a casa da praia era a minha família.
No verão recebia alguns convidados, eventualmente alguém de Porto Alegre, velhos amigos ali mesmo da praia e Carol. Não a mesma Carol que eu reencontraria em um sábado de junho na beira do mar, mas a mulher que vivia comigo há seis anos e que também se chamava Carol. Talvez uma simples ironia da vida. Conhecemos-nos quando fui ao seu consultório lhe confidenciar minhas inquietações existenciais. Solícita, provavelmente apiedada, abdicou da ética profissional e me estendeu um convite para vê-la participar de um evento, literatura e psicanálise, numa pequena livraria-café no bairro onde eu morava. Coincidência, disse ela. Sendo assim, após o evento, tomamos café, rimos descontraidamente e demos fechamento a noite no sofá do meu apartamento ouvindo “I love you Porgy” na voz de Nina Simone.

2 comentários:

Daniel Rocha disse...

Caraca, a melhor notícia do dia. Parabéns, colocaste mais uma lenha para manter acesa a chama que não deve se apagar.

Bom começo. Confesso que me deu vontade de continuar lendo. Não é o sonho de todo escritor?

"Quando criança imaginava que era possível nadar até lá onde não dá mais vista e escalar o céu." Poesia pura.

Toca ficha no conto/novela das Caróis. Aliás, ambos estamos trabalhando em projetos literários que tem um(a) protagonista com o nome de Carol. Não é um barato?

Abração!

Daniel Rocha disse...

Atenção, queremos novos escritos. Blogs, mails, resenhas, cafés, jazz, cartas, atentados ao pudor.

Send news. E escreva.