terça-feira, 5 de julho de 2011

junho

O silêncio nunca é pleno, há sempre algum ruído lutando contra o vazio. Ele é presença e ausência. O homem parado ao lado do poste, debaixo da chuva, nada trazia além das roupas do corpo. Um pouco de sangue lhe manchava as calças. O passado é um enferrujado arrastar de sapatos ressoando em nossos ouvidos.
Pela janela eu o observava. Sabia que ele não parava ali por acaso, que era esse o seu intento; que eu o mirasse lá do alto, da segurança tranqüila e inócua do apartamento, e me sentisse estranhamente açoitado pela sua imagem, que fosse da indiferença ao ódio, depois ao temor. Ele ficava ali parado até a polícia chegar e decidir-se ou por levá-lo, ou por surrá-lo diante da janela para que eu os visse cumprindo com o seu dever, e para que meus olhos vertessem sangue enquanto eu dormia. E por mais que eu tentasse, por mais que sentisse que aquele homem não me pertencia tanto quanto os carros estacionados na rua, algo nos conectava de uma forma silenciosa e atroz. Podia sentir sua presença, as gotas caindo em seu rosto. Calcei os sapatos, peguei o casaco e saí. O frio úmido da maçaneta correu-me o braço e entranhou-se debaixo da pele deixando-me o coração numa espécie de câimbra. Do hall de entrada do prédio eu já podia vê-lo imóvel debaixo da luz esmaecida do poste. Abri o portão e deixei-o bater. Queria ouvir o som de ferro contra ferro. Distava menos de dez passos do homem. Mais do que vê-lo, podia sentir em mim seu olhar como um hálito quente a me atrair. Usava jaqueta de nylon azul marinho e calças jeans, os sapatos eram escuros e surrados. O rosto estava mal barbeado, contudo não parecia ameaçador, tampouco havia ódio em seus olhos que percebi estrábicos.
- o que é que tu quer?
O homem nada respondeu.
- É vingança?
- Não.
- Então é o que?
- Eu vim lavar as tuas mãos.Olhe bem; não estão sujas?
E logo minhas mãos tornaram-se vermelhas e delas escorriam lágrimas espessas. E eu preciso morrer um pouco, disse o homem enquanto tirava um punhal da cintura e o depositava na minha mão. Segurou-me o pulso com firmeza e fixou o olhar esquivo em minha alma. Senti o líquido quente em abundância afogando-me o braço. O homem tombou na sarjeta debatendo-se como se fosse um peixe retirado da água. Pedaços do seu corpo diluíam-se no pequeno córrego que se formara com a chuva. A rua inteira foi tornado-se vermelha como se fosse uma veia aberta, desde as árvores enraizadas no concreto até os cachorros nos pátios. Enfim o corpo desapareceu e a chuva parou. Tive a impressão de não ouvir barulho algum. O silêncio era tanto que parecia ensurdecedor, nada vibrava ou emitia som. Voltei aflito para o apartamento. Fui ao quarto de meu filho e encostei a cabeça em seu peito; ouvi seu coração de criança sonhando. Sentei-me no chão ao lado da cama e contemplei minhas calças manchadas de sangue.