sexta-feira, 11 de junho de 2010

Notícia de Jornal

Desceu do ônibus sem pestanejar assim que a porta abriu. Desceu na parada pouco iluminada sob a imensa avenida que parecia não ter fim. A faixa negra de asfalto era com uma artéria seccionando um corpo gigantesco. Nem pensou, apenas deixou os pés tocarem o chão e correu para qualquer lado. Correu na contramão dos carros que àquela hora da noite eram bem poucos. Os passageiros que permaneceram no coletivo nem viraram a cabeça para ver aonde iria o rapaz em sua fuga desabalada. Acharam que ele havia feito alguma coisa ali dentro, provavelmente roubado alguém, e por isso descera. Grande merda; estavam acostumados a ver bem mais do que isso. Bater carteira era aperitivo de criança. O ônibus prosseguiu e depois dobrou a primeira esquerda.

Correu bem mais do imaginou que suas pernas agüentariam. Sentia o coração na boca batendo contra a murada dos dentes. O corpo pediu que parasse e então se curvou levando as mãos à altura dos joelhos. Respirava com dificuldade e achou que fosse perder os sentidos, porém não desmaiou. Sentou-se no meio-fio da calçada. O ar parecia que não lhe chegava aos pulmões. O homem perde-se á noite, perde o rumo dos pensamentos. Riu-se á toa sacolejando as pernas dormentes, ria do improvável que o trouxera até ali e ria porque se sentia estranhamente livre, mesmo que no fundo condenado. O que é uma arma na cabeça senão um metal gelado, inerte, tão ridículo quanto sua própria natureza? Para que serve um revólver? Não importa, era sua responsabilidade. Ergueu-se com certa dificuldade, também com certo alívio, a descarga de adrenalina o revigorara. Tentou orientar-se buscando algum ponto de referência na escuridão. Viu um posto de gasolina numa esquina não muito distante e alguns metros á frente a cruz de uma Igreja. Não havia melhor indicação. A cruz envolta em neon vermelho brilhando igual letreiro de cabaré. Estava perto, muito perto.

Pôs-se a correr novamente, dessa vez cadenciando os passos como se fosse um maratonista. Não erguia muito os joelhos nem sacudia os braços em demasia. Agora pensava que era uma locomotiva negra e robusta correndo nos trilhos incomensuráveis do destino, ganhando velocidade, rasgando o útero da noite. Após galgar o posto de gasolina tirou das calças um revólver prateado com cabo escuro de madeira. Pesava tanto em sua mão que diminuiu ainda mais a passada, quase trotava. Sentiu-se tentado a dar uns disparos para o alto como se fosse um bandoleiro chegando num vilarejo montado em seu cavalo. Concentrou toda a energia que lhe restava e deu um pique em direção a Igreja com a arma em punho. Parecia até que explodiria o lugar ao chocar-se contra ele. Bendito homem-bomba. Nem chegou a ouvir os estampidos, sentiu apenas o impacto e o calor dos tiros alojando-se no peito. Não teve tempo nem de prender a respiração. Ficou lá jogado no chão até o dia clarear e o sol resplandecer na poça de sangue. Foi recolhido pelo carro do IML enquanto as pessoas se dirigiam ao trabalho.