quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O ato abnegado da repetição

Através dos séculos e das guerras a grama cresce com uma fome religiosa: morrem os cachorros, trocam-se os donos, as pedras dão lugar á madeira, no entanto, resignada, ela segue crescendo. Alguém me escolheu para cortá-la, para cumprir o ritual do cultivo, o eterno retorno. Sinto que meus pés prendem-se a essa terra – a casa e o pátio que me viram nascer. Dei-me conta de que tudo inicia ali, a vida embrionária da humanidade, ao menos a minha.

A tarefa consiste em colocar a máquina no lugar em que a grama está mais baixa, ralinha. Então começo a jornada com preguiça inabalável. Aprendi que com ou sem pressa chegarei ao mesmo ponto, com ou sem pressa devo fazer canto por canto até vê-la uniforme como um tapete. O sol incide sobre á casa dos fundos projetando um recorte de sombra no pátio; ali a grama cresce mais verde e aguerrida. Cortei pela vida um tanto que daria pra pavimentar a estrada daqui até a praia. Creio que mais, muito mais. O pátio onde estão enterrados os mortos e os cachorros. Minha família não tem segredos: vivemos todos ungidos sob os auspícios da terra. O tempo que remova nossas duvidas. Tive um sonho: em pé minha mãe, eu e meu pai. Sentados minha irmã e meu sobrinho. Tijolo a tijolo construímos a casa da frente e a dos fundos, uma após a outra, o pátio entre ambas. Faz sol e usamos chapéus de palha. Depois de muito trabalho tomamos limonada e deitamos no chão de olhos fechados. Sonhamos o mundo e nele está o limoeiro, meus avós e a casa da praia. O mar abraça minhas pernas. Somos os únicos, mas não estamos sozinhos. Esse é o dia do perdão.