quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Entre o mar e o amanhã

O primeiro escrito do ano só poderia ser sobre a praia e o mar, pois tudo na vida é necessariamente sobre o mar e a praia. Indissociáveis no idioma da minha memória afetiva. Não tenho nada para falar do ano que passou, nenhum balanço, e ao contrário do que isso possa dar a entender foi um bom ano. Todos os anos são agridoces, maravilhasos e diabólicos, por isso amo o isso que se apresenta. Já vivi anos ruins, uns péssimos, no entanto os últimos me parecem felizes na soma geral das partes: verão e inverno. Tudo se divide entre verão e inverno, em estar suado ou tremendo de frio. Escolho o calor eterno, ainda que o calor férreo da cidade nos castigue. Então deus e seus asseclas engenheiros inventaram a praia que é uma espécie de sonho. Um lugar mítico onde residem todos os nossos ancestrais nas vestes plácidas e turvas do mar. Não me digam que a praia é ruim ou suja, que junta gente demais, muito pobre, carros, esgoto a céu aberto, água marrom e gelada. Não. A praia é o único lugar não inventado, não construído pela mão canhestra do homem, que ainda guarda algo de genuíno e selvagem. Ali está o mar, deus netuno, las olas (rainhas) e o boto. No mar não há espaço para fingimentos; não estar com medo quando na verdade estamos. Em seus domínios só há aquela ligação inconsciente-espiritual, espécie de cordão umbilical que nos liga a fonte da vida. Tudo é força, imensidão. Nada do que somos tem significado - o falso que somos, os personagens que carregamos, as crenças a respeito de nós mesmos. O Mar é o ano novo ao mesmo tempo em que é repetição, ondas que executam sua tarefa eterna sem nem saber qual é. O Mar sabe, pois tudo necessariamente é ele.