sexta-feira, 31 de março de 2017

Outono

Deito-me sobre a paz melancólica do amor e com o olho voltado para o sol
Recolho as chagas do corpo,
Parece- me que é como achar a casa perdida na água limpa séculos atrás,
Meus olhos se enchem de um brilho precioso e se derramam
Como se pela primeira vez vissem o que existe,
Então em nossas mãos estremecem as raízes crescidas no inverno
E tudo isso transgride o sorriso que me colocas nos ombros.
Entrado os anos, ao lado das árvores,
Parece-me talvez felicidade.

quarta-feira, 15 de março de 2017

das moléstias

Acima das árvores
Entre a voragem de luz e trevas
O tempo trará o pão entre os dentes

A fome, eu digo, desaparecerá
Espero também que a poeira
E as moléstias do corpo
A areia do concreto dos edifícios
E que nos devolvam os anéis
Os ossos e o sangue roubados.

terça-feira, 7 de março de 2017

Os sonhos cobrem meus olhos quando amanhece

Parecia mais importante escrever do que saber todo o resto.
sentia uma vaga e violenta esperança,
ainda que irmanada com os seres e as coisas debaixo da terra,
ainda que pudesse empobrecer à luz do dia.
Adiante o olhar para dentro do fim, o medo de despertar.
Sabia que não havia onde se esconder e a luta contra o tempo estava não apenas perdida,
mas também ausente.
Naquele ato resignado vivia uma satisfação como de um gole d’água.
Sim, as horas se devoravam a cada letra que surgia no papel,
entretanto era a única liberdade em direção às estrelas.
Deixou anotado no bilhete:
Se houver tempo, espero que se lembrem das coisas boas que fizeram.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Sugar Blues


(café brigadeiro cocaína sugar blues)

Todos os vícios se alimentam da virtude,
Por isso quero andar de cabeça farta
E pés virgens,
Quero descobrir o que o sol queima
Sob a pele dos santos, sob a pele dos falsos,
No intestino dos monstros.
Quero tirar a pele das palavras
Com a ponta do lápis
E tomar café amargo
Para gozo das úlceras.

quarta-feira, 1 de março de 2017

sobre a tristeza

Anotava uma palavra qualquer no canto do papel, depois prendia-a entre os dedos enquanto estrelas morriam. Quase não tinha um nome. Pensava, em sua habitual fadiga, se o mundo era tão confuso então porque não ser triste? A chuva lhe banhava os pés, a alegria lhe trazia culpa, chegava-se a ele algo brutal como uma lâmina cega. Sentava-se em algum bar, bebia, amava, se pudesse, sentia-se eufórico. Depois cambaleava e o mundo girava com ele. A felicidade o deixava desorientado.