segunda-feira, 25 de junho de 2012

Prelúdio de Inverno

Só vou à São Leopoldo quando solicitado por algum associado impaciente. O frio lá é persistente e a cerração se demora um pouco mais no ar. Passei a manhã e parte da tarde na cidade. Próximo ao meio-dia parei aleatoriamente em uma esquina para atender o celular, estava procurando um banco, porém mudei de ideia e resolvi almoçar. Quando estou na cidade almoço sempre no mesmo restaurante: lugar agradável, comida farta, e loiras germânicas deslizando por entre as mesas. Contudo, ao atender ao telefone e envolver-me com o interlocutor na conversa, acabei embretando por ruas pelas quais não havia caminhado. Parei numa esquina quando surgiu de um carro uma morena com um punhadinho de moedas nas mãos. Passou as minhas costas em direção ao parquímetro de estacionamento – lá também existem essas abominações – que ficava na esquina do outro lado da rua. Vi através da sua blusa negra, por efeito do sol que despontava, as alças finas do sutiã que se agarrava aos seus ombros. Sedutora, pensei, contraindo o corpo num arrepio de frio. Virei o tronco para vê-la retornar: imperfeita, a pele alva, o corpo miúdo, e no rosto as indeléveis, ainda que delicadas, marcas de expressão - um eufemismo. Toda ela me pareceu de uma delicadeza só possível de ser cultivado no inverno. Havia me agradado e isso normalmente basta. Bateu a porta do carro e saiu em companhia de uma senhora. Cruzou-me dessa vez a frente e seguiu em direção ao outro lado da rua, o mesmo em que estava o parquímetro. Entrou numa casa cinza de amplas janelas abertas. Só então percebi que se tratava de um restaurante. Ainda me reaquecendo ao sol, meditei que todo o evento havia sido uma espécie de aceno que o acaso concedera, portanto devia entrar no restaurante. Em relação a ela sentei lateralmente, porém eu estava de frente e assim podíamos descuidosamente trocar olhares. Talvez, ao me ver parado na esquina, ela tenha imaginado que eu já almoçaria ali mesmo, nem desconfiava que havia me arrastado e que portanto tudo que acontecesse a partir daquele momento era sua responsabilidade. Os olhares confirmavam a série de aleatoriedades que havia nos precedido, podia ler em seu rosto certa perplexidade; porque estávamos naquela esquina e o que nos unira em tão impessoal restaurante. Seus olhos se fixavam nos meus uns segundos além daquele ponto em que podemos suportar qualquer olhar sem sentirmo-nos constrangidos. Mas suportei-os deixando á mostra minha inquietação, sentindo-me terrivelmente vulnerável. Enquanto sorvia de um gole do suco de laranja, pensei nas possibilidades que cada pequeno ato pode nos oferecer como se fosse um corredor iluminado apenas em suas extremidades com inúmeros quartos em ambos os lados. E por trás de cada uma dessas portas tivesse uma destino diferente á minha espera, uma vida dentro da outra, a possibilidade de não ser mais o mesmo, conhecer outro tipo de felicidade ou tristeza. E seu abrisse uma dessas portas? Se me levantasse e fosse até a mesa onde ela estava e lhe desse o número do meu telefone, se dissesse olá, me chama Marcelo, acho que não estamos aqui por acaso, devemos nos conhecer, me chamo Júlio e só entrei nesse restaurante porque há vi antes na rua e uma intuição disse que vamos ficar juntos, me chamo Pedro e teu rosto fez-me perder a razão, me chamo Cícero... . Mas nós tememos o destino, o salto no abismo pode ser confundido com súbita loucura. Nossas vergonhas nos impedem e castigam. O medo de aquele almoço, aquela manhã, o impulso que me levou até ali, talvez pudesse mudar minha vida de uma maneira irreparável. O medo deixa-me sem ter em que agarrar. Voltei a procurá-la mais havia um homem obliterando minha visão, estava em pé conversando com ela e sua acompanhante. Ficou ali até que elas se levantassem e fossem em direção ao caixa. Pude ainda vê-la partindo, os cabelos lisos movendo-se em contato com o vento, o movimento autômato das mãos em segurá-los, as alças do sutiã agarrado aos ombros, descobertos pela claridade intensa. O homem era dono do restaurante, um tipo simpático que me cumprimentou efusivamente na saída. A cerração havia sumido em definitivo revelando um céu azul absoluto. Ainda sentia um pouco de frio, por isso voltei à esquina e me aqueci ao sol.

sábado, 23 de junho de 2012

Rayuela - a voz do criador



Encontrei essa postagem descuidosamente enquanto vagava por entre os vídeos do youtube. O capítulo 2 do Jogo da Amarelinha na voz do mestre Cortázar.


"Demasiado tarde, siempre, porque aunque hiciéramos tantas veces el amor la felicidad tenía que ser otra cosa, algo quizá más triste que esta paz y este placer, un aire como de unicornio o isla, una caída interminable en la inmovilidad."