segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Agosto

Escrevendo, demorando-se por aí, mas consegui.
Um post modesto escrito logo abaixo.

O próximo

Após quase dez anos ele voltava para casa e desde o momento em que cruzara o portão branco enferrujado, sentiu como se nunca houvesse partido. Percebera de imediato que a casa, a vizinhança, o modo peculiar de ser das pessoas, jamais o abandonara. Havia respirado daquele ar, estava impregnado dele, assim como tudo que fizera fora dali. Dez anos e nenhuma visita, dez anos e o desejo de esquecê-los. Voltava para casa depois de dez anos como se tivesse interrompido uma vida para começar outra, e agora retomava aquela que havia deixado para trás, que julgara seccionada. Apenas ligou e disse que precisava voltar. A mãe não lhe fez perguntas, o silêncio foi a resposta. Um misto de alivio e pesar lhe oprimiram o peito. Não era um milagre que o número do telefone ainda fosse o mesmo, pois tudo lá permanecia igual. Ele voltava com o mesmo que partira, e nem poderia ser de outro jeito, pois há dez anos, quando partiu sem deixar vestígios, fugindo talvez de uma tragédia, de uma ameaça desumana e insondáve, não carregou nada consigo. E seu retorno se dava da mesma forma; as mãos vazias, uma jaqueta jeans surrada por cima dos ombros e uns sapatos marrons que pareciam emprestados. Era de se supor que os anos transcorridos houvessem sido pequenos e maus. Anos maus não eram coisa nova em uma vida tão cheia de misérias, mas anos pequenos não podia ser, porque todos os anos são iguais. Porém, aquele tempo que havia passado, que percorrera como se através de um túnel, tateando na escuridão, e se inscrevera em seu rosto, esses, haviam sido anos pequenos

Durante a viagem, no ônibus que o trouxera de volta, não conseguiu pregar o olho, hipnotizado pela paisagem monótona que emoldurava a estrada. Os campos verdes sem fim, ralos e improdutivos, as árvores cortadas, a magreza dos bois. Entre o cansaço e a ansiedade, sentia-se, enfim, liberto de um sentimento que não sabia ao certo como definir, pois não se tratava de medo ou orgulho, nem do fracasso. Aceitava tudo que ficara para trás e o que estava adiante e não possuía um nome. Desceu na rodoviária e pegou um ônibus de linha. A cidade havia mudado; mais prédio, mais carros, mais barulho. Tudo estava como que amontoado, oprimido pela falta de espaço. Contudo, na medida em que se afastava do centro, os bairros perdiam aos poucos a magnitude do concreto, ao invés de prédios, muitas casas e terrenos baldios. Reconhecia o lugar do qual havia desaparecido há dez anos e lhe parecia o mesmo

Desceu na parada que fazia esquina com a avenida que dava acesso a rua onde estava a casa. Caminhou três quadras para dentro e dobrou á esquerda. Da parada de ônibus até ali não avistara quase ninguém, um que outro vizinho e alguns cachorros. Imperava o silêncio imóvel do abandono. As casas eram rigorosamente as mesmas, feitas de tábuas largas de madeira, portões baixos com a pintura descascada e enferrujados. Ao entrar na rua logo avistou crianças jogando bola na calçada, usando tijolos como goleira. O som da algazarra, o vozerio estridente e caloroso, chegou-lhe até os ouvidos com o poder de despertar um órgão adormecido. Alegrou-se momentaneamente. E lá estava à casa bege de portão branco, parecia tão pequena como se aquela fosse a imagem de uma lembrança e não a coisa real. Cruzou o portão e caminhou pela lateral da casa em direção a porta dos fundos que dava para a cozinha. Não havia espanto em seu coração, nem impaciência. Sentia-o pulsar, nada mais. A porta estava aberta e á mesa, seu pai, a mãe, a irmã mais velha e um rapaz que ele desconhecia, ainda que fosse muito semelhante a ele quando mais jovem. Havia também um prato e uma cadeira vazia. Sentou-se, comeram, e dividiram o pão.