segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

OUR MAN IN PARIS

para Daniel distantes trovões


Através de uma decisão que nem lembro há quanto tempo fiz, disse que faria as coisas a minha maneira. Não a verbalizei a ninguém, apenas fiquei a matutá-la mentalmente, anuindo diversas vezes com a cabeça.
Esse seria, ou ainda é, um bom inicio de um conto. O estranho é que sentei aqui nessa cadeira amolada pra te escrever um email e me saiu isso como se fosse estória. Talvez lá no meu pensamento não haja mais como distinguir verdade e ficção, literatura ou vida. Vá lá; nem nós sabemos quem é essa tal de literatura. Mas decidi que iria te escrever, pedi uma água mineral da geladeira e coloquei um disco de jazz para rodar. Logo, logo entra o Dexter Gordon, Our Man In Paris. Porém, como não tinha ninguém pra me trazer água – com gás, por favor -, eu mesmo fui ali buscá-la. Meu caro, como eu estava dizendo, essa coisa de escrever é estranho, não dá vontade de fazer mais nada, só escrever. Não tenho vontade nenhuma de trabalhar, nem de deitar pra acordar amanhã cedo e vestir aquela roupa atrapalhada, e me fingir de coisa alguma. Nem sei se é fingimento, não sei o que é. Sei que o dia se contorce inteiro, agoniza, depois voa que eu mal caibo nele. Voa. É noite. É o banho. Meia noite. Acabou pra começar tudo de novo. Luto entre a vigília e o sono. A verdade é que eu não queria dormir. Nem agora, nem nunca.
As vezes eu também sinto uma vontade de só ficar lendo, sem parar, até gastar todas as folhas, deixar tudo em branco, zeradinho. Que elas peguem fogo. Gastar todo meu dinheiro – meu dinheiro inventado com caneta azul – numa montanha de livros. Inverossímil, veja você, é a vida, verdade mesmo é ficção. Eu gostaria de acabar esta carta com uma citação, mas deixa pra lá, já passou da hora, os livros estão quietos dormindo. Outra hora te escrevo.
Aquele abraço.