terça-feira, 11 de setembro de 2018

Mandinga é a negaça da capoeira


Desejo escrever um poema
De dez minutos e alguns segundos
Um grande poema dos séculos
Um grande poema preto
Um homem poema de unhas grandes
E negras

Um poema pra limpar da boca a era da técnica
Pra sujar a boca com o gosto do barro
Pra cutucar o dente até sair sangue
Uma mandinga
Um poema negaça
Filho da pressa e da preguiça
Negativa de Angola contra o capital

O poema não tem solução
Cresce das pancadas que recebe
Transforma em ferro a raiva que acumula
E seus versos arremessa
Contra os muros do mundo
[M.silva]

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

da série: poesia numa hora dessas

Olhava o horizonte inesgotável e imaginava o futuro – lá onde é céu e mar. O que havia do outro lado do oceano?
África, navios, baleias. O dia seguinte, talvez o passado.

Meus pés eram tomados pelas ondas que chegavam à areia, levados embora. Talvez lá fora encontrasse deus, as coisas que havia perdido ou a habilidade de reter o tempo – aquele tempo de verão.

O brilho do sol na água também refletia em mim; a pele negra e quente, o corpo magro e desengonçado. Importava correr, depois o salto. E lá embaixo, no mais fundo da Terra, nadar. Isento de todo medo. Nadar como os pássaros voam, com leveza absoluta. Meus movimentos readquiriam uma sabedoria animal, sua razão de vento, e como um peixe-estrela desaparecia no mar, no tempo imóvel e largo no qual o corpo se diluiu. Por fim, era água a balançar sob o céu.

Aqueles dias nunca passaram, ainda estão lá, na praia, infinitamente em meus olhos de dez anos.