terça-feira, 16 de novembro de 2010

gaveta virtual (dos achados e paridos)

Esse post é um oferecimento de Ana Dundes. Pitonisa, mãe e poeta. Gracias Sra. Passarinha


monstro
(Texto de Marcelo Martins)
*
O monstro vive dentro de uma panela,
come carne vermelha e
usa camisas velhas

Tem sudorese noturna,
Pesadelos matinais,
Sonhos em hebraico

Na verdade
Ele não passa de um imbecil
Pseudo-culto que
leu alguns livros,
viu poucos filmes
E vive de inveja
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re-verso de monstra
(Texto de Ana Dundes)
*
Mostro-te
Monstro!
Desmonto-me
De monstro:
aqui jaz
o defeito
do afeto
desfeito
*

Publicado no blog gaveta virtual em 16 de março de 2007. Era uma sexta-feira

terça-feira, 9 de novembro de 2010

La Résistance


Estava bem difícil sentar para escrever e atualizar o blog. Consegui. Firme na resistência. Em breve notícias do Paul McCartney.

Para não perder viagem segue trecho de um romance do Coetzee que li recentemente. Baita Livro!

“Somos todos participantes do mercado global: se não competirmos, pereceremos. O mercado é onde estamos, onde nos encontramos. Como viemos parar aqui não podemos perguntar. É como ter nascido num mundo em que não temos direito de escolha, de pais desconhecidos. Estamos aqui, só isso. Agora é nosso destino competir.
Para os verdadeiros crentes do mercado, não faz sentido dizer que você não sente prazer em competir com seus próximos e prefere se retirar. Pode se retirar, se quiser, dizem eles, mas seus concorrentes com toda certeza não se retirarão. Assim que você depuser as armas, será abatido. Estamos aprisionados inelutavelmente numa batalha de todos contra todos.”

J.M Coetzee, Diário de um ano ruim

Self made man

A dor nas costas não o faria desistir, estava determinado. Caneta azul na mão esquerda e o papel branco sob a mesa de jantar. Antes de preparar o café escolheu um disco que fosse apropriado ao momento. Algo suave que pudesse circular pelo ambiente ao invés de instalar-se nele. Elegeu uma coletânea de Chet Baker, havia sido apresentado ao jazz recentemente e ainda estava aprendendo a degustá-lo. Com esmero passou o café, serviu-se uma xícara fumegante e sentou-se á mesa defronte a janela. Acreditava no esforço mais do que no talento ou em imprevisíveis “insights”. O talento é preguiçoso prefere a luxúria ao trabalho e ele acreditava na força dos seus punhos. Orgulhoso de si mesmo intitulava-se um “self made man”. Apesar de leigo na língua inglesa ouvira a expressão num programa de tevê, uma entrevista com um sociólogo americano em visita ao Brasil. Aquele termo o enaltecia. Ele, um homem que havia moldado seu destino com as próprias mãos, que extraíra dinheiro e respeito da mais pura adversidade. Um lutador. Queria contar sua história, deixá-la incrustada na face de uma gentinha que pouca fazia além de reclamar por direitos. Direitos adquiridos por leis obtusas, não foram de fato conquistados. Não passavam de um bando de parasitas, aproveitadores filhos da puta. Mirou a noite que se distendia a sua frente, o céu banhado de um vermelho negro que prenunciava pancadas de chuva. O caderno o esperava desafiador, as linhas simétricas, uma abaixo da outra até o final da página. Coçou a cabeça, depois a apoiou na mão direita. Olhou o dicionário que repousava sob a mesa, as horas no relógio que reluzia no pulso, a aparência de suas mãos embrutecidas. Notou que elas tremiam. Estranhou a luminosidade lúgubre do abajur que ficava quase encostado na janela, a imobilidade de todas as coisas que havia na sala e fora dela, como se o mundo estivesse parado e houvesse se soltado da roldana do tempo e a vida agora apenas roçasse sua pele. Sentiu o corpo contraindo-se involuntariamente e o coração acelerado de espanto. Levantou-se aturdido empurrando a mesa e depois se debatendo nas paredes do corredor do apartamento. Trancou-se no banheiro e aguardou.