segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

desvanecer-se

Não gosto de dormir. Reluto tanto quanto posso, porém o corpo cede. O problema em si não é o sono, nem o corpo. Não se trata de deitar e desligá-lo. Tampouco são as coisas que eu poderia estar fazer durante esse tempo morto. O drama está na velocidade com que o ato de dormir coloca-me novamente na roda perpétua do cotidiano, de frente à mecânica reprodução dos atos dos dias anteriores. Tira-me o aqui e agora, lança-me no futuro, nas garras de uma força inescrutável. Tento ficar acordado e permanecer o máximo que aguento dentro daquele mesmo dia. Sinto uma espécie de liberdade, armistício do mundo lá fora. Sentado no sofá, iluminado pelo abajur japonês da sala, leio página após página como se estivesse a competir. O corpo insiste em inquietar-se, torna as almofadas duras, deixa as costas arqueadas. Palavras transfiguram-se em imagens, páginas que se descolam do texto, algo que se intromete em meus pensamentos. A cabeça pende e aquele momento - que não pode definir-se em minutos, ou em metros, em números, que nem mesmo sei o que é - apaga-se aos poucos em movimentos intermitentes. Sou arrebatado para dentro de um tempo sem amarras, uma espécie de onda que varre a areia e depois reflui. Quase sempre acordo antes de o relógio despertar, o corpo parece sem vida, pesado. O cansaço é sentido como uma derrota. Talvez eu nem tenha despertado ainda e seja as palavras que o homem que luta contra o sono agora lê, ou apenas uma vaga ideia pensada por alguém.