sexta-feira, 22 de abril de 2011

Septimus Warren Smith

“Os homens não devem cortar árvores. Há um Deus. (Anotava tais revelações nas costas de envelopes.) Mudar o mundo. Ninguém mata por ódio. Torná-lo conhecido (tomou nota). Esperava. Escutava. Um pardal, pousado na grade em frente, piou “Septimus, Septimus”, quatro ou cinco vezes, e, cascateando as suas notas, continuou a cantar, alto, com frescor, em palavras gregas, que o crime não existe, e, tendo chegado um outro pardal, cantavam ambos, com voz prolongada e penetrante, em grego, dentre as árvores do prado da vida, à margem de um rio onde passeavam os mortos, que a morte não existe.”
Woolf, Virginia. Mrs. Dolloway

sábado, 16 de abril de 2011

Coletivo



Andar de ônibus não está entre em minhas atividades favoritas. Nunca esteve. Aliás, duvido dessa hipótese: alguém que ande de ônibus motivado por uma espécie de prazer, que escolha deliberadamente fazê-lo porque acordou com desejo. É uma necessidade. Indispensável para aqueles que não possuem carro, ou possuem, mas que por algum motivo, talvez preguiça ou economia, resolveram não usá-lo no dia. E para todos nós, e todos os outros, para qualquer um, existe o ônibus.
O ultimo livro do escritor e tradutor carioca, Rubens Figueiredo, tem como pano de fundo, e componente essencial da trama, o coletivo urbano. Confesso que ainda não li, está na minha lista gigantesca de leitura, porém a sinopse me pareceu muito interessante. Retirei do site da Companhia das Letras, segue:

PASSAGEIRO DO FIM DO DIA
Rubens Figueiredo
Companhia das Letras

De radinho no ouvido, lendo a intervalos, observando o que se passa dentro do ônibus e fora nas ruas, Pedro, sem se dar conta, costura as ideias. Ao fim da viagem ele não será mais o mesmo: o que vê e pensa durante o trajeto, os fatos de sua vida, seus afetos, o mundo em que está imerso, tudo reunido terá formado um novo conhecimento, mais profundo e mais crítico, mas que nem por isso o deixará desprotegido numa sociedade em que parece não haver como fugir de um destino opressivo.

O ônibus como símbolo da opressão, ou simplesmente como imagem opressiva, mesmo que óbvia, é muito forte e pertinente porque expressa exatamente aquilo que imaginamos quando a vemos: um inferno caótico e sufocante. Sustento tal afirmação ancorado pela minha farta experiência em viagens desconfortáveis, superlotadas e depressivas. A mais pura raiva que nos assalta logo nos minutos iniciais de viagem não resiste ao lento, porém progressivo, sentimento de alheamento que o corpo, tomado de cansaço e submetido ao desconforto, oferece à mente. O desânimo escala as pernas até alcançar as entranhas do estômago e se instala no peito como musgo em pedra, e de lá adormece nossos olhos; anula os pensamentos. O que mais me impressiona é que antes disso, antes de nos entregarmos ao torpor, há uma espécie de batalha, um confronto entre os ocupantes que já estão no coletivo e os novos que vão sendo tragados para dentro da embarcação. Arma-se no céu uma luta por espaço, uma revolta nem sempre tão silenciosa entre os do fundo contra os da frente, entre os que empurram e os que são empurrados, os que restaram de pé contra os sentados. Como uma descarga elétrica a sensação de que estamos uns contra os outros se espalha rapidamente. Porém, se é mesmo verdade, então quem estará a nosso favor, quem nos protegerá de nós mesmos? Talvez nossa redenção esteja nos pequenos atos: o vento que entra por uma fresta da janela, uma gentileza ao estranho a nossa esquerda, podemos até lhe oferecer o assento, ou quem sabe uma troca furtiva de olhares, plena de desejo. O que nos resta é uma promessa; algo de bom escondido nas vestes esfarrapadas do cotidiano.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Esse negócio de micronarrativa é uma farsa

Pedro e Judith
Pedro voltou à leitura. Judith apagou o cigarro no chão da cozinha, foi até a sala, pôs um cd no Semp Toshiba PC-5639 e aumentou o volume até o talo. Pedro foi para o banheiro com o livro debaixo do braço. Lá sentou-se no vaso e deu prosseguimento a leitura. Judith teve vontade de se jogar pela janela, mesmo assim continuou com a dança.

Bom dia
Sheila recebeu uma ligação e a saldou com um efusivo “boa tarde”, ainda que fosse manhã, e nem reparou na ligeira confusão que fizera. A pessoa do outro lado da linha, apesar da decepção, preferiu não alertá-la.

Xenofobia
Ludimila chegou apressada na empresa e deixou a bolsa na primeira mesa que viu pela frente. Não esperava encontrar a chefa nordestina atirada no chão ao lado da mesinha do café. Temeu represálias.

Hotel das Estrelas
Irani partiu com a alça da bolsa meio rasgada, os cabelos desgrenhados e um embolo no peito, misto de medo e decepção, de raiva também. Teve o resto das coisas jogadas na calçada. Sentiu vergonha do chinelinho de dedo que calçava.

O amor
Meu amor, disse Marilene, porém, logo depois, sacudiu a cabeça e abriu um sorriso desinteressado e acolhedor. Ultimamente dera para confundir o nome do marido com o do colega, ás vezes o chamava de Gustavo com tanta insistência que Marcos atendia. No entanto, ao ouvi-la chamando meu amor um calafrio lhe percorreu a alma, os olhos se perderam em algum ponto entre a tela do computador e o calendário de parede, e o pescoço enrijeceu. Engasgou. Calma, Gustavo, arrematou Marilene.