segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Nada Surf

"É, mas quando entra na água
É na primeira braçada
É, ele não vale uma naba
Ele não surfa nada, ele não surfa nada."

(Surfista Calhorda - Os Replicantes)


Eu surfo. Não costumo falar sobre isso com outras pessoas; por exemplo, meus colegas de trabalho, vizinhos, conhecidos. Não saio por aí alardeando. Não é vergonha, ainda que exista flutuando na minha cabeça um certo estereótipo de como os surfistas devam ser ou agir. E também não chego a me considerar da classe. Digo apenas que surfo, caso o assunto venha á tona. Talvez, no fundo, seja vergonha.

Não surfo bem, é isso. Me incluiria na categoria iniciante apesar de já estar nessa há algum tempo. Comecei a surfar lá pelos meus vinte e poucos anos, obviamente tarde, e não consegui evoluir muito, ou pelo menos o tanto que gostaria. Minha família tem casa na praia e toda vez que vou para lá, em especial no verão, aliás, unicamente entre dezembro e fevereiro (talvez isso explique minha pouca evolução), tiro a prancha do saco e a coloca na água. Acredito que todo mundo em Albatroz surfa melhor do que eu, mesmo que ninguém esteja lá para medir habilidades. A questão toda é que não consigo deixar de insistir nesse negócio. Sempre chego fisicamente despreparado e levo alguns dias para recobrar a intimidade com a prancha, o posicionamento, a força da remada. E tem outra: surfo pior ainda de backside (de costas para a parede da onda), então quase que exclusivamente entro só de front nas ondas. Trocando em miúdos; minha habilidade e performance são limitadíssimas, as vezes canhestras, e em certo dias chego a sentir-me constrangido, tomado de vergonha. Incontáveis vezes, enquanto estou na solidão daquele vasto mar, me pergunto por que não desisto de uma vez por todas. Existe algo no surf que é inominável e que está além do que qualquer imagem midiática possa nos fazer crer. Não é sobre performance, sobre a marca das roupas, fotos de ondas perfeitas em praias paradisíacas, ou ainda ondas monstruosas sendo surfadas por homens destemidos. Todas essas coisas fazem parte de um universo especifico muito distante do horizonte cinza escuro do meu Albatroz. Esse algo inominável, quase surreal, que é estar dentro do mar em cima de um bloco flutuante como se navegasse na correnteza imemorial do tempo, diluído numa parte do infinito, é que me faz sempre voltar. Remo com força, o coração aos saltos, para entrar naquela parede líquida e mal posso acreditar que estou em pé deslizando sobre a água como se tudo não passasse de mágica. Esses momentos, esses breves momentos, de redenção e magia.

Todo ano é a mesma coisa. Acho que dessa vez será diferente, que meu corpo urbano e monolítico enfim fará com que eu desista da empreitada. Contudo quando meus olhos recaem sobre o mar uma espécie de desassossego me percorre a alma. Não tem jeito, ainda não será dessa vez.

2 comentários:

Daniel Rocha disse...

Só pra constar que vi o trailer do "Pergunte ao Pó" agora e, mesmo não tendo visto o filme, já vi que tem bem pouco a ver com o livro.

Vale a leitura. Fante tinha a manha. Ótimo narrador o Bandini (o livro é em primeira pessoa).

Em tempo: acho que hoje começo um Benedetti.

Send news, Albatross Man.

Daniel Rocha disse...

Em tempo: estava ouvindo agora o Lester Young com Oscar Peterson que tu me gravou. Bem legal. Old school jazz.

Falando nisso, quando puder, vê se manda o nome daquelas músicas que te mandei por mail. Thanx!