terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A ARMA DE CHUMBO

O pai colocou a pistola de ar comprimido na mão do garoto. “Empunha com as duas mãos, segura firme e aperta o gatilho”. Não era fácil fazer mira com aquele negócio, pesava bastante. O menino concentrou-se, fechou um dos olhos, abriu um pouco as pernas disparou a arma. Escutou apenas o zunido e nem viu onde ou o que o chumbinho atingiu. Vai de novo, disse o pai.

A pistola havia surgido como parte de um plano para afugentar os gatos que circulavam no forro da casa da praia. Casa antiga de tijolo á vista, simples e aconchegante. Herança de família. Desde que se dera por gente lembrava-se de passar os verões lá, e sempre havia algum bicho para espantar, fossem gatos, gambás ou até sapos pelos quais nutria verdadeira aversão. Onde já se viu ter medo de sapo, dizia o pai. A idéia da pistola partira do marido da irmã, sorriu feito um moleque quando a verbalizou. No dia seguinte já estavam de posse da arma.

Antes de atirarem nos gatos precisavam treinar e era isso que estavam a fazer desde o início da tarde. O pai até que era bom, mostrava intimidade no manuseio da pistola, era de se supor que já houvesse atirado antes. Serviu o exército quando jovem, porém nunca possuíra arma de fogo em casa e, no fundo, aquilo não parecia fazer parte do seu temperamento, algo impaciente e ríspido, entretanto sempre racional. O menino recarregou a pistola com chumbinho enquanto o pai ajustava o alvo improvisado, uma garrafa de coca-cola. Sentiu o peso da arma nas mãos e a empunhou cerimoniosamente como se estivesse lidando com o sagrado. Como seria atirar em alguém? O que se passava na cabeça das pessoas que matavam outras? Uma onda de ansiedade lhe correu pelo corpo, os músculos das costas se contraíram. Mesmo que de modo difuso, embaralhado na consciência de sua pouca idade, intuía que a violência lhe conectava a algo maior e anterior a ele, uma espécie de ancestralidade. Mais do que isso. Sim, chegou á conclusão de que poderia matar, já o fizera antes em algum lugar remoto de sua lembrança corpórea. Era um menino, mas se transformaria num homem, e como tal seria dado a matar ou morrer. Dessa forma é que haviam chegado até ali. Colocou o dedo no gatilho e apontou a arma. Surpreendeu-se com a voz do pai: “Aponta essa porra pra lá! Ficou maluco?! Me dá isso aqui”. Arrancou a arma da mão do menino e o empurrou. Em seguida emendou: Agora vem cá, faz como eu te disse. “Empunha com a duas mãos, faz a mira e aperta o gatilho. Vai!”

2 comentários:

Daniel Rocha disse...

Arrá, atualizando o blog, hein?

Bom, estava pensando no que tu escreveu sobre essas porqueiras da internet matarem a nossa literatura (meu maior veneno é o youtube) e, falando em gastar tempo na web sem escrever, achei este texto sobre pagar (um pouco) pra publicar:

http://www.escrevaseulivro.com.br/escreva/component/content/article/5-home/77-sera-que-vale-pagar-um-pouco.html

Daniel Rocha disse...

Achei mais um texto, sobre os desafios da autopublicação:

http://www.escrevaseulivro.com.br/escreva/component/content/article/5-home/78-os-desafios-da-autopublicacao.html

PS - Continue resistindo!