quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Lisboeta

Sonhei ontem à noite com uma jovem portuguesa. Seus cabelos eram curtos e castanhos, o rosto delicado, sorria com os olhos. Chamava-me por um nome que agora não lembro, ou que talvez não tenha compreendido. Estávamos em Portugal numa estação de trem. Sei que ela existe, sei que em algum lugar as pessoas com quem sonhamos respiram e também recordam de nós, e vivem com essa impressão, ás vezes quase um mal estar, de que alguém, um estranho, a elas está conectado. Desconhecemos em absoluto a face desse processo, porém o sentimos como coisa concreta. A menina sorria e a mim dirigia um afeto que só os amantes são capazes de tê-lo. Ela é como uma realidade que acontece alheia a minha vontade, existe de fato naquele espaço, no desejo e na carne.

Estou em um lugar cercado de árvores, como se fosse uma clareira, onde há uma piscina e uma tenda com teto de palha. No rádio toca uma cumbia. É verão e todas as pessoas falam espanhol entre si. Alguns brincam com bolas de plástico coloridas e colchões infláveis, outros dançam lascivamente exibindo os corpos em trajes mínimos. A tarde tem cheiro de celebração. Uma mulher jovem, não muito distante da adolescência, seu olhar é atrevido, quase uma provocação, puxa uma cadeira para perto de mim - estou sentado, pernas cruzadas, folheando um jornal - encosta o joelho no meu e se escorra no braço da cadeira para me falar ao ouvido. Pergunta se conheço Portugal. Sei que ela já sabe a resposta, a verdadeira, porém, digo que jamais estive lá, não reconheceria o lugar nem por fotografias. Ela balança a cabeça e solta uma risada, o gozo contido nesse som também me deixa um sorriso estampado no rosto. Não consigo contê-lo. “É a sua chance de mudar a nossa vida”, ela diz. Nossa vida, ao invés de nossas vidas; pressuponho que somos como pedaços de metais imantados. Ela se vira e segue em direção ao burburinho da piscina.

Não importa se existimos aqui ou em Portugal, o tempo escorre vagarosamente enquanto escrevo. O sol está forte e o vento sopra em mim a impressão de que não há tal coisa como o agora e o depois, nem as lembranças que se acumulam sem que na verdade as desejemos. A Lisboeta dos olhos sorridentes mantém os lábios quase que colados ao meu rosto, o hálito morno e adocicado, posso senti-lo arranhando minha pele. Talvez ela esteja dizendo que nos encontraremos novamente, muito em breve, ou, ainda, que me espera em qualquer tempo, seja no sol do pacifico ou num sonho abafado de fevereiro, ou quem sabe, simplesmente estejamos ali, infinitos.

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