quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

o Algoz

O homem, que chamaremos aqui apenas de algoz, encostou-se no Pegout prata estacionado do outro lado da rua em frente ao prédio 280. Olhou ao redor e não havia quase ninguém, exceto uma senhora que passeava com um filhote de dálmata, mas ao invés de vir em sua direção, ela se afastava. O relógio marcava sete horas. Até aqui, tudo bem. A única coisa que o deixava desconfortável era o revólver atravessado na cintura, sobretudo, o contato incômodo do metal gelado com a barriga, fazia muito frio aquela manhã. Ficara indeciso entre trazê-lo no bolso da jaqueta, na cintura ou dentro de uma sacola de papel, como chegara a cogitar. Se o colocasse na jaqueta metade da arma ficaria para fora e, portanto, visível, dentro da sacola corria o risco de perder segundos valiosos até livrar-se dela, dando assim oportunidade para que o outro homem, que chamaremos aqui de vítima, corresse ou talvez até reagisse, e isso, sob hipótese alguma poderia ocorrer. Trazê-lo na cintura o deixava livre ao alcance da mão e, além disso, dava a cena uma aura de fatalidade. A vítima, ao ver o revólver faiscando sob a luz do sol, sentiria o horror invadindo-lhe a alma, tragando os últimos segundos de sua vida antes do primeiro disparo. A consciência breve e inequívoca desse momento se multiplicaria pela eternidade em sua retina.

O céu era de um azul profundo e não havia uma única nuvem lá em cima. Sentiu-se tranqüilo. Não tinha a menor importância quem era o homem que estava no apartamento tomando café ou terminando de escovar os dentes, nem aonde trabalhava, se era chefe ou empregado, nem se tinha uma esposa á quem prometera fidelidade e agora essas palavras não significassem nada. Nem se tinha filhos que se revoltariam com a violência do crime, ou talvez, no fundo, sentir-se-iam aliviados. O homem fora jurado de morte e havia um motivo, mesmo que torpe, para que aquilo acontecesse. Boa coisa ele não era. E ainda tinha o dinheiro. Recebera uma boa grana - a outra metade só depois de concluído o serviço - para dar cabo do sujeito. Ao olhar novamente as horas, avistou a vítima saindo do prédio na companhia de uma morena alta de cabelos crespos. Não sabia que ele estaria acompanhado, talvez devesse matá-la também, pensou. Eles ainda precisavam ultrapassar o portão marrom para alcançarem a rua. O algoz desencostou-se do carro contraindo os músculos das costas involuntariamente sentindo a descarga de adrenalina. A vítima cruzava a rua em sua direção, de braços dado com a morena, e com um molho de chaves na mão. O algoz tentou concentrar-se no movimento sinuoso do corpo que emergia diante de seus olhos. Havia chegado o momento. O braço direito, o qual deveria sacar o revólver, estava dormente, mal podia senti-lo, e não conseguia ouvir nada além do descompasso do seu coração. A morena desvencilhou-se da vítima e foi se aproximando do algoz até distarem poucos centímetros um do outro, e sussurrou ao vento:
- Atira, filho da puta!
Contornou o carro e embarcou pela porta do carona. A vítima também entrou no veículo, bateu a chave e arrancou vagarosamente, quase sem fazer barulho. Atônito, o algoz permanecia rígido no meio da rua, indeciso entre correr ou caminhar, ir para a direita ou para esquerda, não lembrava de que lado viera. Sentiu um nó na garganta e vontade de chorar.

2 comentários:

Guilty Free disse...

Não sei se posso fazer O comentário mais exato, uh, bem. Mas os guris tornam-se homem de fato - e vai lá saber o que isso representa! - e então, segurem-se...

Keep walking man.

Simone

Marcelo Martins disse...

café expresso sem açucar.
Obrigado Simon.