terça-feira, 9 de novembro de 2010

Self made man

A dor nas costas não o faria desistir, estava determinado. Caneta azul na mão esquerda e o papel branco sob a mesa de jantar. Antes de preparar o café escolheu um disco que fosse apropriado ao momento. Algo suave que pudesse circular pelo ambiente ao invés de instalar-se nele. Elegeu uma coletânea de Chet Baker, havia sido apresentado ao jazz recentemente e ainda estava aprendendo a degustá-lo. Com esmero passou o café, serviu-se uma xícara fumegante e sentou-se á mesa defronte a janela. Acreditava no esforço mais do que no talento ou em imprevisíveis “insights”. O talento é preguiçoso prefere a luxúria ao trabalho e ele acreditava na força dos seus punhos. Orgulhoso de si mesmo intitulava-se um “self made man”. Apesar de leigo na língua inglesa ouvira a expressão num programa de tevê, uma entrevista com um sociólogo americano em visita ao Brasil. Aquele termo o enaltecia. Ele, um homem que havia moldado seu destino com as próprias mãos, que extraíra dinheiro e respeito da mais pura adversidade. Um lutador. Queria contar sua história, deixá-la incrustada na face de uma gentinha que pouca fazia além de reclamar por direitos. Direitos adquiridos por leis obtusas, não foram de fato conquistados. Não passavam de um bando de parasitas, aproveitadores filhos da puta. Mirou a noite que se distendia a sua frente, o céu banhado de um vermelho negro que prenunciava pancadas de chuva. O caderno o esperava desafiador, as linhas simétricas, uma abaixo da outra até o final da página. Coçou a cabeça, depois a apoiou na mão direita. Olhou o dicionário que repousava sob a mesa, as horas no relógio que reluzia no pulso, a aparência de suas mãos embrutecidas. Notou que elas tremiam. Estranhou a luminosidade lúgubre do abajur que ficava quase encostado na janela, a imobilidade de todas as coisas que havia na sala e fora dela, como se o mundo estivesse parado e houvesse se soltado da roldana do tempo e a vida agora apenas roçasse sua pele. Sentiu o corpo contraindo-se involuntariamente e o coração acelerado de espanto. Levantou-se aturdido empurrando a mesa e depois se debatendo nas paredes do corredor do apartamento. Trancou-se no banheiro e aguardou.

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